Não
sei se para ouvir essa orquestra será necessário receber um convite. Penso que
não. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça.
Todos
os dias alguém dá o tom e a música começa, mas não é nenhum Mozart ou Strauss
com sua belíssima “ Danúbio Azul”. São as graciosas cigarras que se agrupam e
entoam o seu canto.
Fico
imaginando o regente dessa linda orquestra que parece o sambinha de uma nota
só.
Lembro-me,
então, da antiga historinha da Cigarra e da Formiga que tanto nos contaram
quando éramos crianças ainda, com o intuito moralizante: enquanto as formigas
trabalhavam exaustivamente, armazenando alimento para o inverno, as cigarras só
cantavam, acreditando estarem alegrando os céus com um “Hino ao Amor” e
agradando a todos os ouvintes.
Se
há tanto tempo não faziam nada e só queriam mesmo cantar para passar o tempo,
habituaram-se à rotina cantante e, segundo o velho ditado, “quem só aprendeu a
fazer nada, depois de ter aprendido tal ofício, dificilmente se livrará dele”.
E
sabem do melhor? Esse grito todo que
ouvimos é dos machos que gritam assim para atrair as fêmeas, e elas têm um
canto muito baixo... depois dizem que as mulheres é que falam muito....
E
quanto as suas contraparentes, as pobres formigas? Além de trabalharem tanto
não tinham outra escolha a não ser ouvir o canto exasperante das cigarras.
Hoje,
não ouço mais as histórias; vejo-as no real. As formigas, mostrando-se
cumpridoras de seu dever, entram em nossas casas, vasculham doces, bolos e
gostam até de pizza.
Nada
lhes passa despercebido e, não adianta querer acabar com elas. Você mata umas e
outras aparecem em dobro como se brotassem uma após a outra num piscar de
olhos.
As
cigarras não ficam atrás. Deixe alguma janela aberta no cair da tarde e você
vai ouvir bem de perto uma das participantes da grande orquestra fazendo solo
no mais alto grau, bem ao seu ouvido.
Elas
se agrupam nas árvores... seu lugar preferido. Ah! E não passe por baixo, pois
é bem possível você receber umas boas gotas de suas necessidades caírem-lhe
pelos braços. Sem nenhum acanhamento, elas brincam, cantam e se enveredam por
espaços que não fazem parte do seu habitat. Vez que outra morrem; não conseguem se libertar de algumas quedas.
Quantas
seriam necessárias para fazer um barulho tão alto? Quem ouve pensa que muitas,
mas uma só já mostra uma potência de garganta que ensurdece.
Dizem
que cantam para chamar a chuva, mas será que essa chuva fica tão longe assim
para terem de gritar o dia inteiro? Santo Deus!
Dizem
também que cantam até estourar; aí quedam-se. Por que tanto masoquismo? Será
que têm consciência do que fazem?
E
quando vem a chuva, onde será que se escondem? Ou ficam se molhando ao sabor do
vento?
Não
sei se alguém já procurou saber sobre isso; já li que entre os insetos, as
cigarras são as únicas que produzem o som estridente que todos conhecem. Algumas das espécies
maiores conseguem atingir os 120 decibéis com facilidade,
enquanto outras menores realizam a proeza de alcançar uma sonoridade tão aguda
que seu canto simplesmente não é percebido pelo ouvido humano, embora cães e outros animais possam chegar a uivar de dor por causa dele.
As
cigarras estão presentes em quase todas as regiões do mundo, tanto em climas
quentes como frios e existem mais de 1 500 tipos diferentes delas. Normalmente, são encontrados em regiões de
florestas tropicais, mas também
podem ser encontrados em outros tipos de vegetações.
Seu
desenvolvimento completo pode durar de 1 a 17 anos. As ninfas vivem enterradas
até a maturação, enquanto os adultos habitam árvores e plantas, alimentando-se
da seiva. Assim como os cupins, as cigarras estão entre os insetos mais
longevos do planeta.
Sabemos
ainda que sua importância no ecossistema é positiva, por um lado, por servir de
alimento para os predadores e, negativa, por outro, porque constitui-se em
pragas de algumas culturas.
Mas,
prefiro ficar só com as lembranças da historinha que remete a um bom tempo da
áurea vida que não volta mais. E como também gosto de cantar envolvo-me no tom
e dou o meu troco. Não a ponto de estourar. Mas canto.
*Professora
de Português e Membro da Academia Machadense de Letras